Você já deve ter reparado que a gadoesfera do Bolsonaro anda compartilhando vídeos e memes de uma indígena chamada Ysani Kalapalo defendendo incondicionalmente o seu governo, certo?
Nos vídeos, ela esculhamba personalidades como Anitta e chega a afirmar com contundência, para o horror de qualquer pessoa minimamente informada, de que os incêndios na Amazônia não aumentaram. Se ela não viu incêndio, então não teve aumento. Simples assim.

Apesar de parecer ridículo uma indígena incorporar um típico bolsominion, isso pode ter um simbolismo enorme e Bolsonaro sabe disso, não por acaso prontamente a convidou para fazer parte de sua delegação que participará da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, em que ele fará o discurso de abertura no dia 24 (oremos).
Ysani Kalapalo é o token perfeito para um governo que quer retomar o projeto da Ditadura Civil-Militar para a Amazônia, que nega a existência do modo de vida indígena (ver print abaixo) e que quer liberar totalmente a exploração da floresta para o latifúndio e mineradoras. Afinal, como que o governo Bolsonaro poderia fazer algum mal para a Amazonia se ao lado dele tem uma indígena falando que tudo é “fake news” e que Bolsonaro, na verdade, é amigo do peito das entidades que protegem a floresta? 🤷♂️

Vamos combinar: não existe token mais perfeito do que a Ysana Kalapalo para quem quer claramente destruir a Amazônia, mas que, ao mesmo tempo, precisa posar de vítima de ambientalistas “xiitas” e de ONGs, do contrário a balela de que apenas é um nacionalista que persegue o melhor para o Brasil não cola.
Porém, a farsa da indígena bolsominion durou pouco tempo. Ela que vive acusando de “fake news” a realidade incômoda ao Bolsonaro, foi denunciada como uma indígena fake pelos 16 povos do Território Indígena do Xingu, por meio de uma Carta de Repúdio.
Portanto, Ysana Kalapalo não representa a população indígena que se encontra no território brasileiro. Pelo contrário, os indígenas se sentem ofendidos por Bolsonaro considerá-la como seus representantes sem consultá-los e ainda denunciam sua política anti-indígena e sua mentalidade colonialista e etnocida.
Confira a Carta na íntegra:
CARTA DE REPÚDIO
CONTRA REPRESENTAÇÃO INDÍGENA NA DELEGAÇÃO DO GOVERNO BRASILEIRO NA ONU
Nós representantes maiores dos 16 povos indígenas habitantes do Território Indígena do Xingu (Aweti, Matipu, Mehinako, Kamaiurá, Kuikuro, Kisedje, Ikpeng, Yudjá, Kawaiweté, Kalapalo, Narovuto, Waurá, Yawalapiti, Trumai, Nafukuá e Tapayuna), viemos diante da sociedade brasileira repudiar a intenção do Governo Brasileiro de incluir a indígena Ysani Kalapalo na delegação oficial do Brasil que participará da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU que será realizada na cidade de Nova Iorque no próximo dia 23 de setembro de 2019.
O governo brasileiro mais uma vez demonstra com essa atitude o desrespeito com os povos e lideranças indígenas renomados do Xingu e outras lideranças a nível nacional, desrespeitando a autonomia própria das organizações dos povos indígenas de decisão e indicação de seus representantes em eventos nacionais e internacionais.
O governo brasileiro ofende as lideranças indígenas do Xingu e do Brasil ao dar destaque a uma indígena que vem atuando constantemente em redes sociais com objetivo único de ofender e desmoralizar as lideranças e o movimento indígena do Brasil.
Os 16 povos indígenas do Território Indígena do Xingu através de seus caciques reafirmam seu direito de autonomia de decisão através de seu próprio sistema de governança composto por todos os principais caciques dos povos xinguanos.
O governo brasileiro não se contentando com os ataques aos povos indígenas do Brasil, agora quer legitimar sua política anti-indígena usando uma figura indígena simpatizante de suas ideologias radicais com a intenção de convencer a comunidade internacional de sua política colonialista e etnocida.
Não aceitamos e nunca aceitaremos que o governo brasileiro indique por conta própria nossa representação indígena sem nos consultar através de nossas organizações e lideranças reconhecidos e respaldados por nós.
Atestam esta carta:
Tafukuma Kalapalo / Cacique do Povo Kalapalo
Aritana Yawalapiti / Cacique do Povo Yawalapiti
Afukaká Kuikuro / Cacique do Povo Kuikuro
Kotok Kamaiurá / Cacique do Povo Kamaiurá
Atakaho waurá / Cacique do povo Wauja
Tirefé Nafukuá / Cacique do Povo Nafukua
Arifira Matipu / Cacique do Povo Matipu
Awajatu Aweti / Cacique do Povo Aweti
Mayukuti Mehinako / Cacique do Povo Mehinako
Kowo Trumai / Cacique do Povo Trumai
Melobo Ikpeng / Cacique do Povo Ikpeng
Kuiussi Suya / Cacique do Povo Kisedje
Sadeá Yudjá / Cacique do Povo Yudja
Mairawe Kaiabi / Cacique do Povo Kawaiwete
Associação Terra Indígena Xingu – ATIX
Depois desta Carta de Repúdio, resta ao Bolsonaro ser cínico, fingir que nada viu, ir mentir sobre suas políticas ambientais lá na ONU e usar uma indígena não autorizada para confirmar suas mentiras. O problema é que mesmo o seu token, que poderia sustentar alguma credibilidade no seu discurso, também já era, foi totalmente desmascarado.
Depois dessa Carta de Repúdio, restaria ao Bolsonaro, se tivesse alguma decência, dispensá-la da sua delegação, já que esse token era o último recurso que ele tinha para sustentar alguma credibilidade em seu discurso sobre meio ambiente. Mas como já sabemos que é um cínico, vai fingir que nada viu, vai mentir sobre suas políticas ambientais lá na ONU e vai insistir no token, mesmo que já tenha sido desmascarado, para confirmar suas mentiras. Gado para acreditar nesse espetáculo de mau caratismo é o que não falta.