A relação entre anarcocapitalistas e supremacistas brancos é uma realidade. Ela se desenvolveu a partir de uma corrente do “libertarianismo” chamada de Paleolibertarianismo, desenvolvida pelos teóricos anarcocapitalistas Murray Rothbard e Llewellyn H. Rockwell (mais conhecido como Lew Rockwell), que combina conservadorismo social com oposição ao intervencionismo estatal.
Nas palavras de Rockwell:
“O paleolibertarianismo sustenta que a liberdade é o maior fim político do homem e que todas as intervenções do governo, sejam elas econômicas, culturais, sociais e internacionais, equivalem a um ataque a prosperidade, a moral e a civilização, e portanto, deveria ser oposta em todos os níveis”.
O “paleo” se originou nos trabalhos de Rothbard, de seus antecessores e na “Velha Direita” estadunidense do entre-guerras que se opôs ao New Deal, em contraste aos “neolibertários” que surgiram com a politização do movimento libertário na década de 80.

Vendo que os libertários mainstream do Partido Libertário advocavam ideias consideradas “esquerdistas e libertinas”, Rothbard e Rockwell rompem com o partido após as eleições de 1988 formando o movimento paleolibertarianista.
Rockwell explicou em seu ensaio “The Case for Paleo-Libertarianism” que o Partido Libertário tinha virado uma casa dos libertinos e, para crescer, deveria abraçar ideais conservadores. Segundo Rockwell:
“Segregação estatal era ruim, mas integração estatal também é ruim. Entretanto, segregação estatal não era ruim, pois separado era ruim. Querer se associar com membros de sua raça, nacionalidade, religião, classe, sexo ou partido político é um impulso natural do ser humano”.
Em seu ensaio “Right-Wing Populism: A Strategy for the Paleo Movement” escrito em 1992, Rothbard lamentou que os intelectuais mainstream e os formadores de opinião ignoravam os pontos de vistas libertários. Nele, Rothbard apontou David Duke, ex-lider da KKK e então candidato a nomeação do partido republicano à presidência dos EUA, como modelo para esse novo movimento “alcançar os Rednecks”.
Sobre David Duke, Rothbard disse:
“É fascinante que não há nada no programa ou na campanha atual de Duke que não possa ser abraçado pelos paleolibertarios; diminuir impostos, desmantelar a burocracia, cortar o estado de bem-estar e as ações afirmativas, chamando por direitos iguais pra todos os americanos, incluindo brancos: o que tem de errado nisso?”
E para alcançar os rednecks, Rothbard disse:
“A realidade do sistema atual é que esta constituído numa aliança maligna das grandes corporações liberais e a elite midiática, que através de um governo enorme, tem privilegiado uma subclasse de parasitas, e todos eles têm oprimido a maior parte da classe média e dos trabalhadores da América. Por isso, a estratégia dos libertários é o “populismo de extrema-direita”, que é denunciar essa aliança maligna.”
Em 1994, Rothbard faz uma resenha do infame livro racista pseudocientífico “The Bell Curve” e comemorou como o livro estabeleceu “cientificamente” que “indivíduos, grupos étnicos e raças diferem entre si em inteligência e em outros tantos traços, e que essa inteligência, como também outras características de temperamento são em parte hereditários”. Para Rothbard, isso deveria ser comemorado:
“Duas razões nós já mencionamos: celebrar a vitória da liberdade de investigação e da verdade em sim mesma; e uma bala no coração do projeto igualitarista-socialista. Mas há uma terceira razão também: uma poderosa defesa dos resultados do livre mercado. Se nós populistas e libertários abolirmos o estado de bem-estar social, e os direitos de propriedade e o livre mercado triunfarem mais uma vez, muitos indivíduos não iriam gostar do resultado. Nesse caso, estes grupos étnicos que estariam concentrados nas classes de baixa-renda e empregos menos prestigiosos, guiados pelos seus mentores socialistas, provavelmente iriam gritar que o capitalismo de livre-mercado é mal e discriminatório e que o coletivismo seria necessário para reequilibrar a balança. Nesse caso, o argumento da inteligência seria útil na defesa do livre mercado e de uma sociedade livre de ataques ignorantes. Resumindo, a ciência racialista não é um ato de agressão para encobrir a opressão de um grupo sobre o outro, mas uma operação de defesa da propriedade privada contra seus agressores”.
Rothbard se definia como um “judeu pró-cristão, que pensa que tudo de bom na civilização ocidental se deve ao cristianismo”. Curiosamente Rothbard também simpatizava com Pat Buchanan, um negacionista do Holocausto. Sua servidão, como judeu, ao cristianismo e sua conveniência com o revisionismo nazista demonstram que Rothbard tabém flertava com o anti-semitismo .
Outro “pensador” paleolibertário que flerta com a extrema-direita é Hans-Hermann Hoppe, o qual, entre outras coisas, é um ferrenho defensor da monarquia e crítico da democracia. Em seu livro “Democracy: The God That Failed”, Hoppe argumenta que:
“Não pode haver tolerância com democratas e comunistas numa ordem social libertária. Eles deveram ser fisicamente separados e expulsos dessa sociedade. Da mesma forma, numa aliança fundada com o objetivo de proteger familiares e parentes, não pode haver tolerância em relação aqueles que promovam estilos de vida incompatíveis com esse objetivo. Eles, os defensores de estilos de vida alternativos, não familiares e centrados nos país, como, por exemplo, hedonismo, parasitismo, ambientalismo, homossexualidade ou comunismo terão de ser fisicamente removidos da sociedade para a manutenção de uma ordem libertária”.
Após 4 anos, no lançamento de seu livro, Alberto Benegas, professor de economia da Universidade de Buenos Aires, invalidou a tese de Hoppe sobre a monarquia ser melhor que a democracia. Benegas mostrou evidências empíricas de que as monarquias modernas são bem mais pobres que as democracias modernas.
Hoppe, como discípulo de Mises, acredita que teorias econômicas não “podem ser refutadas por dados históricos”. Hoppe também citou o trabalho do cientista racialista Phillipe Rushton, arguentando que os dados de Benegas estavam distorcidos pois muitas monarquias atuais eram formados por “Negroides”, que seriam inferiores de acordo com Rushton.
Sobre a imigração, Hoppe se mostrou favorável, desde que tivesse um viés pró-europeu.
“Mais especificamente, significa distinguir entre ‘cidadãos’ e ‘residentes estrangeiros’ e excluir esses últimos de todas as formas de direito ao estado de bem-estar social. Significa requerer para a cidadania de um residente estrangeiro, o patrocínio pessoal de um cidadão residente e sua confiabilidade de todos os danos a propriedade causados por esse imigrante. Significa requerer um contrato de emprego com o cidadão residente, implicando que todos os imigrantes tem que demonstrar não somente proficiência na língua inglesa, como performance intelectual superior, caráter e valores compatíveis, o que levaria a um previsível e sistemático viés imigratório pró-europeu.”
Com todos esses discursos em defesa do segregacionismo e de vilificação de uma “subclasse parasita”, a qual, como podemos imaginar, é uma referência às classes mais pobres estadunidenses — majoritariamente formada por negros e latinos — além de endossar obras e autores racialistas e o discurso racial-nativista anti-imigração, foi natural que o movimento paleolibertario ganhasse adeptos e simpatizantes entre supremacistas brancos, neo-confederados e até neonazistas, como desejado por Rothbard e Rockwell.

Uma mostra atual dessa aproximação foi o convite do famoso supremacista branco Richard Spencer feito pelo Hoppe Caucus para discursar na Conferência Internacional dos Estudantes pela Liberdade. Recentemente, um site “libertário conservador” celebrou a união entre os “libertários e a direita alternativa” para a destruição da esquerda”, na ocasião do “Unite the right”, manifestação da extrema-direita estadunidense em que uma pessoa acabou morrendo. Nessa manifestação, bandeiras anarcocapitalistas, confederadas e até neonazistas tremulavam juntas frente à oposição dos manifestantes de esquerda.
Assim, quando aquele seu amiguinho anarcocapitalista te disser que ele defende “liberdade”, lembre-se que os mentores dessa ideologia já tinham em mente que iriam desfrutar dessa “liberdade” toda, nem que para isso usassem da supremacia racial para garantir essa “liberdade”.